Sandra Tavares, criadora de vinhos de terroir na Wine & Soul

Sandra Tavares, criadora de vinhos de terroir na Wine & Soul

7 Janeiro 2021

 

O meu coração sempre pára quando saio da estrada que serpenteia o Vale do Pinhão, de Sabrosa ao rio Douro. Pouco antes de chegar à adega desenhada por Álvaro Siza, da Quinta do Portal, um caminho estreito e vertiginoso leva-me por entre vinhas e olivais até ao Pinhão. É incrivelmente lindo e ao mesmo tempo precário se um carro vier na direcção contrária!

Wine & Soul, do outro lado do vale em Vale Mendiz, está rodeada por algumas das melhores vinhas do Douro. A Quinta do Noval é vizinha e Dirk Niepoort faz vinho do Porto por perto. As brumas da manhã se evaporaram e as vinhas estão esplêndidas com um casaco de outono que só a natureza pode desenhar.

Sandra Tavares da Silva juntamente com o marido Jorge Serôdio Borges, parceiros enólogos e proprietários da Wine & Soul, criam vinhos de terroir que não deixam dúvidas de como o  Douro é uma região tão especial.

Alta e elegante, a conversa de Sandra é pontuada por risos. Até à sua primeira visita em 1999, nunca tinha antes visitado o Douro. Com um estilo de vida focado na cidade e na selecção nacional de vólei, os seus amigos e familiares ficaram incrédulos que ela se fosse apaixonar por uma região tão remota. Dois homens seriam decisivos na sua vida: Cristiano van Zeller, dono da Quinta Vale Dona Maria, para quem trabalhava a fazer vinhos, e Jorge, cuja família fazia vinhos no Douro há gerações e que trabalhava com Dirk Niepoort. Para Van Zeller, “Sandra é a pessoa mais perfeita e conhecedora em termos de vinhos que conheço. Ela tem o conhecimento científico e um dom especial para vinhos e loteamentos que vai além desse conhecimento. ”

Sandra recorda quando ela e Jorge decidiram juntar-se em 2001, «não tínhamos nada. Nem mesmo uma vinha. » No entanto, eles tiveram uma visão do tipo de vinho que desejavam criar. A extensa prova de vinhos de outras regiões convenceu o casal de que o Douro, com os seus terroirs excepcionais, tinha potencial para se tornar uma das grandes regiões clássicas de vinhos secos do mundo. Embarcaram na procura de uma vinha com vinhas velhas, «um dos tesouros do Douro, património que temos de guardar para as próximas gerações», e encontraram dois hectares de terreno virado a sudoeste repleto com vinhas com mais de oitenta anos, com uma inclinação acentuada e uma exposição solar ideal, a uma altitude de cerca de 450 metros. Uma combinação quase perfeita, permitindo que mesmo no verão a vinha seja refrescada pela brisa.

Aqui criaram Pintas, um clássico e elegante tinto do Douro, um blend de campo de quarenta castas diferentes, com plena concentração de fruta, nunca desiquilibrada, sempre elegante e fresca. A Wine Spectator ficou suficientemente impressionada para atribuir ao Pintas 2011 os invejáveis 98 pontos! Sandra refere-se aos lotes de vinhas velhas como «o maior segredo do Douro».

Outros vinhos foram adicionados, formando um portfólio de produção orgânica de tintos, brancos minerais crocantes e Portos; vinhos terroir da mais alta qualidade. No Douro, os rendimentos são sempre baixos em comparação com muitas das outras grandes regiões vinícas do mundo, e as quantidades engarrafadas permanecem pequenas, com a procura dos melhores vinhos muitas vezes superando a oferta. A produção deste ano foi significativamente menor do que o normal, com uma primavera fria e chuvosa, felizmente seguida por um verão excepcionalmente quente que permitiu o amadurecimento ideal. Sandra prevê um ano «fantástico» para Pintas. O trabalho de viticultura, a colheita e a vinificação ocorreram em condições desafiadoras impostas pela pandemia COVID. No entanto, após um nervosismo inicial compreensível, as equipas adaptaram-se rapidamente aos diferentes turnos e protocolos de higiene ainda mais rigorosos do que o normal.

Apesar de uma excelente reputação enológica em Portugal e fora dela, Sandra, como outros enólogos com quem falo, permanece modesta sobre a contribuição do enólogo para a garrafa, insistindo que a viticultura é fundamental e falando sobre «interferência mínima do enólogo na adega». Vinhos tranquilos de qualidade só têm sido feitos no Douro nas últimas duas ou três décadas e «estamos a ganhar conhecimento ano após ano». Sandra reconhece que as abordagens mais científicas da viticultura e da vinificação, ensinadas na UTAD em Vila Real, se alicerçaram em conhecimentos empíricos ancestrais e contribuíram de forma decisiva para os vinhos portugueses de alta qualidade da actualidade. No entanto, para Wine & Soul é «sempre fascinante falar com os velhos».

Sandra sugere que peguemos no jipe da adega e visitemos a Quinta da Manoella, uma vinha que ela e Jorge possuem um pouco mais acima no vale. As vinhas aqui estão rodeadas de floresta, criando um microclima mais fresco com diferenças mais acentuadas entre as temperaturas diurna e nocturna. O solo é mais profundo, permitindo maior retenção de humidade. Provámos uma Quinta da Manoella VV, com Tinta Francisca e Ruffette, castas invulgares, de uma vinha centenária plantada pelo trisavô de Jorge. Este fino tinto apresenta notas florais de flores silvestres e ervas como o alecrim, e uma mineralidade terrosa que conferem um carácter verdadeiramente distinto.

Remota e quase inacessível, é um privilégio estar na Manoella. A cave tem uma quantidade limitada de Vinho do Porto com mais de cem anos, até recentemente servido apenas em ocasiões familiares muito especiais, mas agora também à venda como 5G. Sandra afirma que este velho e delicado Porto Tawny permaneceu «elegante e sofisticado, fresco e vivo», depois de envelhecer no ambiente mais fresco e húmido da quinta.

 

The author, James Mayor, is the founder of Grape Discoveries, a boutique wine tourism business: www.grapediscoveries.com

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