Para muitos, o Douro já não é D’Ouro

Para muitos, o Douro já não é D’Ouro

21 Agosto 2024

Vivem-se tempos de crise no Douro. A pressão é crescente com a entrada massiva de vinho espanhol a preços baixos e a consequente queda do valor das uvas locais, que há anos se mantém estagnado. A combinação de excesso de oferta, aumento dos custos de produção, e dificuldades em vender os vinhos acumulados ameaça a sustentabilidade de uma região que agora luta para manter a sua identidade e qualidade mundialmente reconhecida.

Num país com o maior consumo de vinho per capita (61,7 litros) a nível mundial, que contem uma área de vinha de 7,2 milhões de hectares, em 2023, cerca de três quartos do vinho importado pelo país é a granel. É uma das percentagens mais elevadas de compras neste formato a nível mundial, de acordo com as estatísticas publicadas pela OIV – Organização Internacional da Vinha e do Vinho.

No Douro, a última vindima ficou marcada por alguma agitação social porque, invocando dificuldades na venda de vinho e excesso de stocks, empresas não compraram (ou compraram uvas em menos quantidade) aos produtores que, por sua vez, se queixaram de entregar as uvas a preços muito reduzidos - um problema que se intensifica.

 

Mas vamos a números. Portugal importou, em 2023, 2,97 milhões de hectolitros (43,8% da produção nacional), um aumento de 64% em relação a 2016. Em 2022, Espanha foi a origem de 99,8% dos vinhos tranquilos sem denominação de origem (DO) ou indicação geográfica (IG) que entraram no mercado português. 

Na campanha de 2022/23, 33.284 pipas de vinho - “produto sem Denominação de Origem Protegida/Indicação Geográfica Protegida”, como foi apresentado pelo IVDP em sede do seu conselho interprofissional – foi importado, o que equivale a 18,3 milhões de litros de vinho. Dessas pipas, 9640 é vinho que foi desclassificado para vinho com certificação pelo Instituto da Vinha e do Vinho (vulgo, “vinho de mesa”), ou seja, 5,3 milhões de litros. Sobram 13 milhões de litros de vinho vindos de outras partes.

Os produtores portugueses responsabilizam a falta de controlo no destino comercial que é dado ao vinho importado a granel, sobretudo de Espanha, pela atual “bolha de acumulação de stocks” que está a afetar o setor. Todos os dias, o país está a importar a um ritmo equivalente a quase um milhão de garrafas, o que é descrito pelo presidente da ANDOVI – Associação Nacional das Denominações de Origem Vitivinícolas como “uma loucura de vinho” a entrar no mercado nacional.

 

Atualmente, os viticultores estão a receber cartas dos clientes, adegas e grandes casas do Douro, a avisar que não haverá compra de uva este ano. Os stocks estão cheios da vindima do ano passado e, em consequência, os produtores vêm-se obrigados a negociar a venda da uva abaixo do preço da produção. “As pessoas estão desesperadas e por vezes, só para conseguirem escoar as uvas - fruto do trabalho de um ano inteiro, dos investimentos do próprio trabalho que por vezes não é remunerado, dos produtos fitofármacos que aumentaram exponencialmente - por vezes são obrigados a vender a qualquer preço.” explica Rui Paredes, do Conselho Interprofissional do IVDP (Instituto dos Vinhos do Douro e Porto).

“Diria que, no Douro, tal como no país, não há excesso de produção, há um excesso de oferta, há um desequilíbrio do mercado e terá que haver necessariamente uma intervenção que faça um reequilíbrio de mercado”, defende João Rebelo, investigador da universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), que há 40 anos estuda a região demarcada.

 

“Acontece que, como o vinho não fala, estando num depósito, e ainda por cima comprado em Espanha a 30 ou 40 cêntimos o litro, era uma tentação. Lotear vinho de fora da região, nomeadamente espanhol, com o do Douro para baixar o preço e subir a margem é apelativo”, explica Rui Soares, presidente da Associação dos Viticultores Profissionais do Douro (Prodouro).

A permissão de 15% de uvas de fora da RDD (Região Demarcada do Douro) representa uma fragilidade, defende Rui Soares. E sublinha: “Na DOP Douro era 0%.”

O Conselho Interprofissional do Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto admite a entrada de vinho espanhol no mercado que força a queda do preço das uvas, que se mantém ao mesmo preço há quase vinte e cinco anos. A quase estagnação das vendas ao exterior, nos últimos dois anos, provocou excedentes que o novo ministro da Agricultura, José Manuel Fernandes, já classificou como “um problema brutal”.

 

Rui Paredes defende que a luta deve concentrar-se na proteção de uma região icónica, onde a tradição e a qualidade estão em risco devido à entrada de vinhos de menor qualidade e custos reduzidos, que desestabilizam o mercado. Os produtores pedem um controlo mais rigoroso, essencial para salvaguardar o legado e o futuro da viticultura no Douro.

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