2 Setembro 2020

Douro – “Paladar, corpo, lágrima e ranço…”

Os nossos escritores durienses carecem e são merecedores de uma mais cuidada e empenhada atenção dos decisores políticos, vulgo dos autarcas da região. E se Sernancelhe, Moimenta da Beira, Sabrosa, Peso da Régua, Tabuaço… têm sido exemplares nesta matéria, todos juntos e na congregação da CIM Douro, muito mais longe poderiam alcançar.

“O Douro viveu sempre suspenso de crises que lhe desbaratavam a economia. Como todas as zonas de monocultura, está sujeito aos pesados caprichos do clima, que alteram as condições da produção, se não a destroem completamente; o terreno encrespado é de difícil cultivo, e a terra só se sustenta pela construção de muralhas de xisto que apoiem a massa de barro pronta a desfazer-se em lama na época das chuvas. Mas o vinho dessa região supera em valor os mais famosos do mundo. O seu paladar, corpo, lágrima e ranço próprios constituem o mais fino extracto da uva dita de qualidade.”

(Agustina Bessa-Luís)

Em dia de visita da ministra da Agricultura à região duriense, com reunião agendada com a CIM Douro, a maior comunidade intermunicipal de Portugal e uma das mais activas em prole dos 19 concelhos que representa, vem a propósito lembrarmos, para além da sua riqueza natural que é o vinho, a riqueza patrimonial que são os seus escritores, ou os da duriense região oriundos.

Apontando apenas alguns nomes de entre as dezenas existentes, e apenas centrado nestes 19 municípios, desde Guerra Junqueiro, a Latino Coelho, João Pina de Morais, Domingos Monteiro, Sophia de Mello Breyner Andresen, Afonso Ribeiro João de Araújo Correia, Aquilino Ribeiro, Miguel Torga, Abel Botelho, Luísa Dacosta, Fausto José… a lista é bem provida e dá-nos uma plêiade de homens de letras de destacado génio, porventura criado e esmerilado nestas terras, suas circunstâncias, amenidades e dureza, com raízes telúricas tão profundas como as torgas de Adolfo Rocha, pseudónimo em duas linhas explicado: Miguel em preito ao espanhol Dom Miguel de Unamuno e Torga, como raiz profunda para chegar ao âmago da terra avara, em busca de sua vital substância, gerando assim e também uma simbólica dificuldade de dela se desentranhar ou dela ser arrancada.

Os nossos escritores durienses carecem e são merecedores de uma mais cuidada e empenhada atenção dos decisores políticos, vulgo dos autarcas da região. E se Sernancelhe, Moimenta da Beira, Sabrosa, Peso da Régua, Tabuaço… têm sido exemplares nesta matéria, todos juntos e na congregação da CIM Douro, muito mais longe poderiam alcançar.

É da pena deles a memória que perdurará séculos fora, na perspectiva emotiva, expressiva, estética… das graças e desgraças deste território. Esquecer tal facto e não o potenciar, tirando dele mor proveito, numa era em que o turismo literário cresce em número de devotos, é tão consequente como não homenagear aqueles que ajudaram à imortalização do território duriense e, por pressuposto básico de reciprocidade, dos seus autarcas merecerem um reganho atento de interesse e divulgação.

Tenhamos presente que a maior homenagem que se pode fazer a um escritor é lendo os seus livros, nas sua páginas encontrando, entre realidade e ficção, o deleite e a fruição na expressividade das diegeses, na riqueza das personagens e no carácter de um território.

Agustina Bessa-Luís, essa grande Senhora das letras portuguesas não se enquadra nataliciamente neste território, mas nele encontrou palco, personagens e acção para milhares de suas tão vibrantes páginas.

Autor: Paulo Neto